Em um exercício proposto durante o curso “Audiodescrição de imagens em livros didáticos”, oferecido pela Sinal de Afeto em parceria com a ADVEG, nossas alunas e nossos alunos mostraram imagens de livros didáticos para pessoas com deficiência visual, através de roteiros de AD produzidos previamente.
Selecionamos algumas das contribuições. Vale lembrar que este foi um exercício de recepção, e não de consultoria. Algumas pessoas tentaram ajudar enviando consultorias puras sobre o roteiro produzido, e essas experiências não foram incluídas nos relatos aqui trazidos. Preferimos listar experiências de recepção, ainda que acrescidas de sugestões para a elaboração de roteiros.
Há uma diferença substancial entre a consultoria em audiodescrição feita por uma pessoa com deficiência visual e a experiência de recepção de uma pessoa que faça parte do público da audiodescrição. No primeiro caso, estamos falando de um público que, além de viver as limitações visuais, se qualificou para compreender as técnicas de tradução intersemiótica, compreende as diretrizes da audiodescrição e tem experiência na escrita, revisão e adequação de roteiros de AD em diferentes contextos. No segundo caso, acabamos por passear entre diversos pontos de vista (por isso mesmo, muito subjetivos, e em geral menos embasados) de como cada um gosta ou não gosta da audiodescrição.
Apesar de não se tratar de consultorias, e sim pontos de vista de usuários, as experiências a seguir muito enriquecem nosso pensar sobre a AD e sobre as decisões tradutórias que tomaremos.
A IMAGEM MAIS UTILIZADA NOS EXERCÍCIOS:
A maioria das experiências de recepção se referiam à seguinte imagem:
Eis o roteiro de audiodescrição da imagem:
Esquema composto por uma fotografia e três desenhos. Legenda do esquema: “Figura 20.12 Preparação de soro antiofídico. Os elementos da ilustração não estão na mesma escala. Cores fantasia.”
A fotografia, em formato retrato, foca nas mãos de uma pessoa que seguram uma cobra com a boca aberta. A cobra tem duas presas brancas, finas e longas. A mucosa dentro da boca é rosada. Com uma pinça na mão direita, a pessoa prende a parte superior da boca da cobra. Com a mão esquerda, comprime as glândulas na parte de trás da cabeça da serpente. Da ponta das presas saiem gotas de veneno. A parte de baixo da boca da cobra está apoiada na parte inferior de uma taça, alinhada para receber as gotas do veneno.
Da fotografia sai uma seta que aponta para o desenho de um cavalo marrom. Uma seringa com um líquido vermelho é injetada em seu traseiro. A legenda diz: A peçonha é extraída por profissionais especialistas e o antígeno é injetado em um animal, como um cavalo.
Do desenho do cavalo parte uma seta que aponta para o desenho de um tubo de ensaio cheio por um líquido amarelo. A legenda diz: retira-se sangue do animal e prepara-se um soro com anticorpos.
Do tubo de ensaio parte uma seta que aponta para o desenho de um homem adulto, em pé, com o corpo inclinado para frente e a mão apoiada na canela. à sua frente há uma cobra em posição de ataque. A legenda diz: O soro é armazenado para ser injetado em pessoas picadas por serpentes.
AS REAÇÕES
A seguir estão algumas das reações dessas pessoas diante das imagens.
1.
Olá, eu sou ***, pessoa cega e enquanto usuária da audiodescrição eu entendo que é um recurso que traz muitas informações que por estar apenas no âmbito visual acabam que tiram uma pessoa cega do contexto e de preencher lacunas que muitas vezes vão gerar prejuízo no entendimento do conteúdo.
Então, como a foto apresentada é uma foto de um livro didático, possivelmente o texto ele já vem falando desse contexto e a foto ela vem para complementar. Vindo para complementar, a audiodescrição é de fundamental importância porque se em uma avaliação forem feitas perguntas referentes a preparação de um soro antiofídico.
Existem informações na foto de como esse soro é preparado que se não houvesse a audiodescrição a gente não conseguiria saber de onde está sendo retirado o veneno e de onde está sendo retirado o outro líquido para poder fazer essa fusão para poder tornar esse soro possível.
Eu senti falta do posicionamento de cada elemento da foto, por ser uma fotografia a gente precisa saber em qual parte da foto está cada elemento, em qual lado da foto está cada elemento. Então é preciso que existam esses posicionamentos até para que a gente consiga se localizar, de que do lado direito existe tal coisa, do lado esquerdo, na parte superior, na parte inferior, para a gente poder entender o cenário que compõe a foto.
E é isso, a audiodescrição por transformar imagens em palavras acaba trazendo para a gente complementos de informações que vão com certeza acrescentar no entendimento do conteúdo que está sendo proposto.
2.
O texto a seguir foi elaborado a partir do relato de uma pessoa com baixa visão, E., graduando do curso de psicologia da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, que concluiu recentemente o seu primeiro curso de audiodescrição. Foi utilizado nesta atividade o esquema da cobra.
E. relatou ter gostado muito da audiodescrição que segundo ele foi clara e objetiva. Contudo, trouxe alguns questionamentos bastante pertinentes. Nas notas introdutórias sentiu falta da informação sobre a escala de cor das imagens, se estas eram coloridas ou não. Questionou sobre o posicionamento do esquema na página e o posicionamento dos elementos que o compõem: onde está a fotografia da cobra relação às setas e aos desenhos. Por fim trouxe uma impressão positiva sobre a experiência e apesar do relatado não teve a apreensão da informação prejudicada.
3.
Encaminhei a audiodescrição do esquema do soro de cobra para uma colega, deficiente visual total, estudante de psicologia. Ela atua na revisão de materiais didáticos em nosso núcleo da PUC. Ela ainda está conhecendo o mundo da audiodescrição. Acompanha bastante conteúdo de audiodescrição em filmes e séries, mas de imagens estáticas, no âmbito da educação, ainda é muito recente sua imersão. O relato dela foi o seguinte:
"Então, eu olhei aqui a descrição. Eu só não entendi essa questão que tem no início de CORES FANTASIA. E a princípio eu também não tinha entendido quando fala que as imagens não estão na mesma escala. Eu creio que quer dizer que não estão alinhadas, alguma coisa assim. Mas pra quem não tem muita noção assim de desenho, de imagem, não fica muito compreensível. Mas a descrição em si, sobre o veneno da cobra e tal, achei ótima. Deu pra imaginar sim, todo o caminho, o processo que explica. Mais essas informações no início mesmo que a princípio eu não tinha entendido. CORES FANTASIA eu não sei o que é. De resto, eu achei ótimo!! Eu gostei bastante dos apontamentos dela, e eu também faria estas observações. O que são cores fantasia? Qual a relevância dessa informação? Em relação a escala, não ficou claro pra ela, só causou dúvida, e não prejudicou na compreensão do esquema. Então qual seria a relevância também desta informação? O objetivo da descrição, pelo relato dela, foi cumprido. Os elementos que causaram dúvida, aparentemente, são dispensáveis.”
4.
Achei muito legal, consegui perceber melhor a figura e seus detalhes. Formei a imagem na minha cabeça e aos poucos fui prestando a atenção nas informações contidas na audiodescrição. Já li muitas descrições de outros tipos de imagens, mas desse tipo de figura didática, foi a primeira vez. Gostei que há diversas informações junto da audiodescrição. Isso me fez entender e ao mesmo tempo aprender. Espero que isso se torne uma prática comum no país.
5.
Enviei para minha amiga Nayara a audiodescrição do esquema sobre o soro antiofídico.
Ela considerou a AD um pouco longa, porém necessária devido ao grande número de informações que o esquema contém. Ela também julgou desnecessária a descrição das cores da mucosa da cobra e do pelo do cavalo, mas ponderou que essas informações poderiam ser necessárias no contexto do estudo das ciências biológicas. No geral ela considerou a audiodescrição muito boa e informativa , pois ela mesma não sabia como era feito o soro antiofídico!
6.
Enviei a audiodescrição do esquema da cobra para uma amiga minha, M, que tem proximidade com C, rapaz cego que mora em Planaltina.
As impressões de C foram as seguintes:
- achou muito interessante o fato de ser uma audiodescrição de um assunto tão específico. Ele compreendeu ser o processo de produção de veneno, e que se tratava de uma imagem dividida em pedaços, “como uma história em quadrinhos”. Nota-se, portanto, que C tem noção da diagramação de histórias em quadrinhos.
- ficou curioso para saber o contexto no qual a imagem se encontrava. Arriscou dizer que era em uma revista especializada no meio rural.
- mencionou que, se mais materiais explicativos tivessem imagens com audiodescrição, a compreensão do público cego seria ampliada. “Não há muitas informações com audiodescrição, por isso dependemos da boa vontade de amigos e familiares”.
REAÇÕES A OUTRAS IMAGENS
7. A imagem é uma cena do desenho Rei Leão.
Reação: "Sua audiodescrição dessa cena foi excelente, você usou uma linguagem simples, porém Rica em detalhes que sempre passaram despercebidos por mim, assistia o filme quando ainda enxergava e confesso que nunca notei as características dos animais que foram descritos, personagens tão conhecidos, mas que não eram associados animais da vida real. Através da suas palavras, pude perceber o cenário, as expressões e o que a cena quis passar, dando ênfase no Simba que estava com medo no momento descrito. Gostei muito, de verdade! Ah E por falar em gostar, quero deixar registrado que esse é meu filme favorito, muito obrigada!"
8. Fotografia pessoal.
Reação: "Dediquei uma foto da pessoa que escolhi com o namorado dela. Ela, com a voz emocionada, agradeceu muito. Comentou que, apesar de estar na foto, não sabia os detalhes imagéticos do cenário. Percebi espanto positivo e que a audiodescrição foi mais simbólica do que a própria fotografia."
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